segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

'Representamos 30% do retorno da Embrapa'

Unidade em Campo Grande é peça-chave para a produção científica agropecuária do País


Gilmar Hernandes

O agrônomo Rafael Geraldo de Oliveira Alves - Mestre em Zootecnia e Doutor em Genética e Melhoramento - é o novo chefe-geral da Embrapa Gado de Corte nos próximos dois anos. Sua escolha aconteceu por meio de um processo público que envolveu exame de currículo, apresentação e defesa de proposta de trabalho e avaliação de capacidade gerencial. Pesquisador da Embrapa há 33 anos, Alves foi chefe-geral interino em 2006 e 2007, substituindo Kepler Euclides Filho, quando este foi nomeado diretor nacional da Empresa. Alves também participou da implementação da Fundação de Apoio ao Desenvolvimento, Ciência, Pesquisa e Tecnologia do Estado de Mato Grosso do Sul (Fundect), da qual foi o primeiro presidente por dois mandatos consecutivos. Na entrevista concedida ao jornal O Estado, Alves fala sobre a relevação da produção científica e tecnológica brasileira e da importância da Embrapa neste contexto. Ele ressalta a preocupação da instituição em estabelecer um canal permanente de comunicação com o setor produtivo e a relevãncia econômica e social dos benefícios gerados para a população. Também informa que, somente em 2006, o conhecimento gerado pela empresa deu retorno na ordem de R$ 14 bilhões, dos quais a unidade de Campo Grande foi responsável por cerca de 30% do montante. Confira abaixo os principais trechos da entrevista.

O Estado - Qual a sua avaliação da atual situação da produção científica e tecnológica do País?

Rafael Geraldo de Oliveira Alves - Tem havido um aumento crescente da nossa produção científica. Isso inclui não só a Embrapa, mas diversas outras instituições de pesquisa do País, como as universidades públicas e privadas. No caso específico da produção agropecuária, foi criado na década de 70 o SNPA [Sistema Nacional de Pesquisa Agropecuária], que é coordenado pela Embrapa e do qual também participam universidades e outras empresas estaduais de pesquisa. Com isso, a nossa produção científica tem aumentado ao longo desses anos, tanto que hoje nós temos uma participação muito significativa em nível mundial. O Brasil tem melhorado sua posição no ranking da produção científica mundial. Um dos indicadores dessa melhora é o número de publicações em revistas científicas indexadas. Já não é o caso da produção tecnológica do País. Um dos indicadores para esse setor é o número de patentes de produtos registrados, que não tem crescido muito. Isso significa que nós estamos com uma boa produção científica, mas esse conhecimento não está se convertendo em inovação tecnológica. Nós somos bons para transformar dinheiro [investimentos governamentais] em conhecimento, mas não somos tão bons na hora de incorporar esse conhecimento ao setor produtivo.

O Estado - O que falta para haver mais investimentos na área de ciência e tecnologia?

Rafael Alves - Nos falta tradição. O investimento no setor ainda é relativamente pequeno. Em países, como a Coréia do Sul, onde se tem uma aplicação maior do conhecimento no setor produtivo, existe uma política de incorporação de cientistas por parte do próprio empresariado. No Brasil, a iniciativa privada investe muito pouco. Esse é um dos problemas. A Lei de Inovação [do governo federal] dá condições para isso, dá incentivos para que as empresas tenham pesquisadores em seu quadro funcional. Se você pegar hoje os países desenvolvidos onde a inovação tecnológica é maior, como nos Estados Unidos, 70% dos investimentos em P&D [pesquisa e desenvolvimento] são provenientes da iniciativa privada e os 30% restantes vêm do governo. No Brasil a situação é inversa, ainda é o poder público que desembolsa a maior parte dos recursos. Além disso, em termos de valores, nosso investimento é muito menor. Enquanto nos EUA o investimento em P&D é em torno de 2,6% do PIB, o nosso está em torno de 1% - sendo a maior parte dele governamental.

O Estado - Hoje, qual é a importância da Embrapa para o fomento da produção tecnológica do País?

Rafael Alves - Especificamente na questão da pesquisa agropecuária, a Embrapa coordena o SNPA. Esse sistema foi criado na década de 70 e já foi muito mais forte do que é hoje, porque ele se baseava na conexão de toda as instituições de pesquisa do País - universidades, empresas estaduais e a própria Embrapa. Só que ao longo dos anos, as empresas estaduais tiveram um enfraquecimento - as administrações estaduais reduziram os investimentos. Essas empresas estaduais continuam importantes parceiras, mas elas já foram mais fortes. Com isso, hoje a Embrapa tem uma responsabilidade muito maior, somos referência em vários setores - aqui em Campo Grande somos o Centro Nacional de Pesquisa de Gado de Corte (CNPGC) - mas nós não temos condições de desenvolver pesquisas para o País inteiro, mas temos sim condições de nos articular, por meio de parcerias com outras instituições. Nosso papel é fundamental no sentido de conectar essas instituições em torno de um objetivo comum que é o avanço da agropecuária nacional. E a Embrapa tem essa capacidade de se articular com os outros órgão e está promovendo isso.

O Estado - Quais são as principais tecnologias desenvolvidas pela Embrapa, em nível nacional e na unidade em Mato Grosso do Sul?

Rafael Alves - Os investimentos em ciência e tecnologia são fundamentais para o denvolvimento social e econômico do País e muitas vezes isso não é colocado de forma clara para a população. Por isso, vou citar um dado de 2006, que é importante ser mencionado. A Embrapa tem feito anualmente um balanço social, mostrando exatamente qual é o retorno que as pequisas têm dado. O último balanço da empresa, feito em 2006, com a mostra de tecnologia daquele ano, esse retorno foi da ordem de R$ 14 bilhões. Se você considerar que o orçamento da Embrapa para o ano de 2006 foi de pouco mais R$ 1 bilhão, isso significa que, para cada real que a empresa investiu em pesquisa, houve um retorno de aproximadamente 13 [reais] em benefício da sociedade. É uma taxa de retorno elevadíssima, que poucos investimentos [do governo] conseguem atingir. E a Embrapa Gado de Corte tem uma participação significativa nesses R$ 14 bilhões. Uma das nossas áreas fortes de pesquisa é voltada para as pastagens. Das principais cultivares utilizadas hoje no País, cerca de 70% foram desenvolvidas aqui em Campo Grande - em parceria com outras instituições, mas lideradas por nós. Isso equivale, na avaliação do impacto dessas tecnologias, a algo em torno de R$ 5 bilhões [dos R$ 14 bilhões], somente com as cultivares que nós lançamos. Nós representamos pouco mais de 30% de todo o retorno econômico e social da Embrapa, demonstrando a importância da Embrapa Gado de Corte no cenário do desenvolvimento tecnológico do País.

O Estado - Então, hoje o desenvolvimento de pastagens é a principal área de atuação da Embrapa Gado de Corte?

Rafael Alves - Quando o centro em Campo Grande foi criado, na década de 70, o foco era o desenvolvimento de tecnologias para o produtor de gado de corte do Brasil. Esse é o nosso objetivo e, ao longo do tempo ampliamos nossa missão. Na verdade nós trabalhos para a sociedade. A sociedade não come o boi, come a carne. Por isso, em benefício de toda a sociedade, o produtor - que era nosso principal cliente - passou a ser parceiro processo do desenvolvimento tecnológico. Quer dizer, o grande beneficiário hoje, com as tecnologias geradas pela Embrapa, é a socidade, que usufrui de uma carne de qualidade. Então, o Centro [de Campo Grande], mantém a preocupação com desenvolvimento para o setor produtivo, mas também se preocupa com que essa tecnologia gerada aqui chegue até a mesa da população, consumindo uma carne de melhor qualidade a um custo menor. Em todo esse leque, além da área de pastagem, nós também trabalhamos a área de sanidade animal, a rastreabilidade - outro assunto importante presente atualmente - a questão das boas práticas agropecuárias e a integração lavoura e pecuária. É importante ressaltar que quando falamos de carne de boa qualidade, não é somente uma carne macia, mas sobretudo a preocupação ambiental, o bem estar do animal e o respeito às questões sociais. Temos também trabalhado intensamente na integração da lavoura com a pecuária e a recuperação e renovação de pastagens. Isso porque, a partir do momento que você crie condições para recuperar essas áreas de pastagens - e a integração é uma forma de se fazer isso - você aumenta a produtividade das terras e reduz a pressão por abertura de novas fronteiras, reduzindo assim o número de áreas degradadas.

O Estado - Essa integração da lavoura e pecuária está efetivamente acontecendo em Mato Grosso do Sul?

Rafael Alves - Estima-se que de 70% a 80% das pastagens existentes no País estão degradadas ou com algum grau de degradação. Em Mato Grosso do Sul, se nós tivermos uma política de recuperação dessas áreas degradadas, vamos conseguir uma harmonização. Tem se falado muito da entrada da cana de açúcar. Ela não compete com a pecuária, porque com a nossa capacidade de produação, é possível a conviência tranquila desses dois setores, sem perda de espaço, apenas aumentando a produtividade em áreas menores.

O Estado - De que maneiro o produtor rural tem acesso às tecnologias desenvolvidas pela Embrapa?

Rafael Alves - Isso se dá de diversas formas. Nós vamos realizar nos dias 13 a 15 de março a terceira dinâmica pecuária, que é o momento em que nós nos encontramos com os produtores para mostrar nossas tecnologias. Esse é um exemplo. A Embrapa tem feito esse esforço. Nós temos um departamento que trabalha justamente com esse tema, que é a transferência de tecnologia, que é feita de diversas maneiras. O exemplo que citei é uma dessas formas. E a Embrapa é uma empresa aberta. Nós recebemos constantemente a visita de produtores de todo o País e do exterior. Promovemos cursos práticos durante o ano. Interagimos com outras instituições de assistência técnica rural. São formas diversas que nos mantém muito próximos ao setor produtivo e nos permitem levar nosso conhecimento e, sobretudo, ouvir as reivindicações dos produtores, pois nós também desenvolvemos pesquisa de acordo com a demanda. Isso quer dizer que não pesquisamos somente aquilo que nós achamos necessário, mas também aquilo que a sociedade deseja que nós façamos.

O Estado - Existe uma preocupação especifica com a linguagem para a apresentação dessas tecnologias?

Rafael Alves - Sim. Essa linguagem precisa ser simples e isso não é um processo de fácil execução. Até porque precisamos levar em conta os valores culturais. As pessoas estão acostumadas a adotar determinados procedimentos nas suas fazendas, que não basta você chegar dizer que a partir de agora aquilo não deve mais ser feito daquela maneira. Isso requer um tempo de maturação. É um processo que leva algum tempo para que realmente se efetive. Precisamos também levar em conta outros fatores. Uma determinada tecnologia pode ser boa, mas o momento para a sua aplicação é inoportuno. Não adianta também você ter uma determinada tecnologia se o custo não for muito alto.

O Estado - O governo brasileiro tem investido no setor de pesquisa e tecnologia?

Rafael Alves - Nós hoje temos três referências para o setor de pesquisa e desenvolvimento do País. Quando se fala da produção de aviões, você logo lembra da Embraer. Quando se fala em perfuração de petróleo em águas profundas, a Petrobras é imbatível. A Embrapa é a referênia da pesquisa na agropecuária. São provas de que o investimento em pesquisa científica vale a pena. E a Embrapa soube aproveitar essa posição e investiu maciçamente em recursos humanos e por isso é reconhecida internacionalmente e, no caso de desenvolvimento de tecnologia para as regiões tropicias, sem dúvida alguma é lider. Isso só ocorreu por conta de uma manutenção do volume de investimentos feitos pelo governo federal. O orçamento foi mantido num determinado patamar durante muitos anos e agora, com a promessa do Programa de Aceleração do Crescimento [PAC] para a Embrapa, nós teremos condições de elevar o quadro funcional - hoje em 8,6 mil funcionários para 10,2 mil - e aumentar o orçamento para cerca de R$ 1,6 bilhão. Tudo isso, em função do próprio resultado que a empresa pode oferecer à sociedade.

O Estado - Quais são as expectativas diante dos próximos dois anos à frente da Embrapa de Campo Grande?

Rafael Alves - A expectativa é de muito trabalho, com ênfase em atuações externas e internas. No âmbito externo, quero retomar o que eu chamo de uma re-nacionalização do SNPA. Precisamos retomar as parcerias com outros Estados. Eu digo que hoje nós talvez sejamos o centro com caráter mais nacional de todas as unidades da Embrapa, pelo fato do boi ser importante para o Brasil todo. No plano interno, temos algumas ações administrativas. Precisamos ser mais eficientes e reduzir custos. Para o período 2008 a 2011 teremos que redigir um novo plano diretor, com base no que já foi feito pela direção da Embrapa. Isso requer todo um planejamento estratégico, que envolve a consulta aos setores produtivos, para que possamos, inclusive, reavaliar nossa missão e prioridades de pesquisa. Também está em curso um plano de demissão incentivada e se todos que manifestarem interesse de ir embora, forem realmente, teremos uma redução substancial no quadro de pesquisadores e precisaremos fazer uma renovação no quadro funcional. Ao mesmo tempo que isso é um grande risco - pois poderão sair alguns dos nossos pesquisadores mais antigos - isso vai dar também a oportunidade de renovar o quadro, com profissionais mais novos, dentro de novas prioridades de pesquisa que poderão surgir com o plano diretor. É um momento extremamente importante que teremos neste ano.